domingo, 15 de junho de 2008

Ademir Menezes

1949
Em pé: Eli, Jorge, Augusto, Danilo, Barbosa e Sampaio
Agachados: Nestor, Maneca, Ademir, Ipojucan e Mário
Ademir Menezes do faro de gol

Antonio Falcão

Ao longo da história do Brasil, e entre os estados nordestinos, Pernambuco sempre teve destaque em economia, política e letras. Mas na arte de jogar futebol só a partir da metade dos anos 30 do século passado. E isso pelo seguinte: na recifense praia do Pina, Ademir Marques de Menezes era colegial de espinha no rosto, queixo avantajado, cabelo repartido ao meio e fama nas peladas à beira-mar. Desde a adolescência, ele dava arrancadas fulminantes para o gol e batia forte e certeiro com os dois pés. O bairro do Pina, onde Ademir nasceu em 8 de novembro de 1922, era reduto de pescadores, biscateiros, mascates, lúmpens e desalentados econômicos. Nele, viviam os pais do craque, Otília e Antônio "Muriçoca" - ela, do lar, e o marido vendia carros, além de dirigir amadoristicamente a divisão de remo do Sport Club do Recife. E a esta equipe da Ilha do Retiro o pai o levou para jogar futebol nas categorias de base.

No Sport, Ademir seria bicampeão juvenil em 38, atuando na meia-direita, posição apelidada de ponta-de-lança graças à fúria com que ele cavava o gol. Mas o jovem do Pina, que chutava sem tomar distância, não se afastara dos estudos, e por isso - provando que a esperteza brasileira vem de longe -, indevidamente, inscreveram-no como acadêmico de medicina nos jogos universitários. Na Ilha do Retiro, ele foi juvenil até 40, quando se profissionalizou. E, com a ida do técnico uruguaio Ricardo Diez para o Sport, Ademir Menezes agarrou-se à vaga com ímpeto, fez-se astro e campeão estadual invicto em 41. A seguir, consagrou-se excursionando com o time ao centro-sul do Brasil - vencendo onze dos 17 jogos contra mineiros, paulistas, paranaenses, barrigas-verdes, gaúchos e cariocas. Em março de 42, diante do Vasco, o filho de Antonio Muriçoca deu provas de que veio ao mundo para golear: fez três! E, no ato, o clube de São Januário comprou o seu passe - pagando-lhe, inclusive, luvas, soma contratual até ali inédita nas tenebrosas transações do futebol.

Nesse 1942, Ademir jogou em todas as posições do ataque vascaíno. A seguir, ganharia pelo escrete carioca o certame nacional de selecionados estaduais. Repetiu isso em 44 e virou herói no País - homenageando-o, por toda parte do território nacional as crianças recebiam o seu nome. Em 45, além de campeão invicto no estadual carioca pelo Vasco, na seleção brasileira - na qual estreou em 21 de janeiro, no sul-americano do Chile - ele compôs com Tesourinha, Zizinho, Leônidas da Silva e Heleno de Freitas o melhor ataque mundial do século 20. E se tornou em São Januário a estrela maior e mais luzente do "Expresso da Vitória" - como o Vasco foi batizado.

Só que, em 1946, o técnico frasista Gentil Cardoso o exigiu no Fluminense. E, endividado, o tricolor das Laranjeiras fez-se supercampeão, sendo Ademir e o seu conterrâneo Orlando Pingo-de-Ouro os ases desse estadual. O Vasco ficou na saudade até 48 e o readquiriu para ganhar o sul-americano de clubes. Com o Expresso da Vitória refeito, o time cruzmaltino chegou aos títulos de 1949, 50 e 52 - com Ademir sendo o artilheiro maior do Rio de Janeiro nos dois primeiros títulos. Nesse tempo, felizardo no Vasco e nas seleções, o recifense recebeu os passes precisos e as parcerias de craques como Jair, Danilo, Tesourinha, Heleno de Freitas, Ipojucan e Maneca.
Ele legou ao clube inúmeros torneios e aos cariocas duas taças do certame nacional de seleções. Ao Brasil, antes da Copa do Mundo, venceu o sul-americano de seleções de 49, afora as copas Roca, Rio Branco e Oswaldo Cruz - uma vez cada. Mas o Mundial de 1950, jogado no Brasil, que deveria ser a glória de Ademir, serviu-lhe de mágoa maior. Mas desse torneio incorporado à tristeza brasileira ele saiu como o artilheiro isolado com 9 tentos. E ainda eleito - na mídia e no coração da massa - como o melhor centroavante. Essa sua dor seria ampliada no ano seguinte, quando, contra o América recifense, teve a perna quebrada, o que o levou a uma convalescença. Contudo, voltaria à seleção brasileira para vencer o pan-americano de 52. E, no ano a seguir, o sul-americano disputado no Peru, onde ele se despedira do escrete nacional em 15 de março. Ao todo, pelo Brasil, esse artista do futebol fez 36 gols em 41 partidas - destas, 30 vitórias, 5 empates e 6 derrotas.

Em 1954, devido às contusões, Ademir reduziu a velocidade e, aos poucos, foi perdendo a fome de gol. Não obstante, ainda o caçavam em campo, a ponto de ter a perna fraturada pela segunda vez. Uma de suas características era não reagir às agressões. Ele não revidava, embora que para tanto tivesse físico, 1,78 m de altura e muita coragem. A rigor, no fundo, por ser um cidadão talhado para o convívio humano dentro e fora do futebol, Ademir representou o fair play. E reservadamente dizia que, dos seus marcadores, só os flamenguistas Bria e Jadir foram leais.

Após o estadual de 1955, Menezes disse ao Vasco que ia parar - "largo a bola antes que ela me deixe", pensou a frase que diria adiante. O clube, no entanto, pediu que adiasse a saída, mas amadoristicamente Ademir retornou ao Sport Club do Recife, onde iniciara a trajetória. Todavia, com alguns jogos no rubro-negro de Pernambuco, encerrou em definitivo a carreira gloriosa em 1956.

No Rio, ele seria cronista esportivo da Rádio Mauá e autor de coluna sobre futebol no jornal O Dia. Paralelamente, teve sinecura no Instituto Brasileiro do Café-IBC. E aproveitou os anos 50 para romper o primeiro casamento, que lhe dera uma filha. Talvez - sabe-se lá - ele assim agiu por concluir que era bem mais feliz nos braços da bola que na desventura conjugal. Acontece...

Mas do Vasco o ex-craque não se separou jamais. Em 1967, foi técnico cruzmaltino e se deu mal. Além de vascaíno, ele era solidário com os amigos. Tanto que quando, na miséria, Garrincha doou-se à bebida, Ademir quis interná-lo em uma clínica. E Mané o agrediu a socos e pontapés. Mas o maior artilheiro do Vasco da Gama - sua média de gols (0,70) bate à de Roberto Dinamite (0,63) -, esquecendo esse ato de violência do alcoólatra Garrincha, ainda tentou ajudá-lo. Só que em vão.

No romantismo que permeia o futebol dessa época, com capital sensitiva na cidade do Rio de Janeiro, Ademir Marques de Menezes fez tudo. E ficou no afeto de Zizinho e no imaginário do Brasil. Todavia, para ele, o Mestre Ziza fora o craque do seu tempo. Tanto que, ao ouvir o escritor Ivan Soter contar que tremia ao vê-lo contra o Flamengo, disse humildemente: "Medo de mim? O bom era Zizinho, dele você deveria ter medo". Mas esse temor fazia sentido: Ademir Queixada era o carrasco do Flamengo, pois contra este adversário ele quase sempre balançava as redes.

Há várias histórias sobre a popularidade desse pernambucano. Uma delas está no livro "Anatomia de uma Derrota", de Paulo Perdigão, dando que o laboratório Bayer fez uma pesquisa para saber quem seria o craque preferido dos brasileiros. Ademir teve "5.304.935 votos, quase um milhão e meio de votos a mais que o total obtido por Getúlio Vargas" - este, o Presidente da República, eleito em 1950, três meses depois do Brasil perder a Copa do Mundo no recém-inaugurado estádio municipal do Maracanã.

Finalmente, nos anos 80, aposentado do IBC e do jornalismo, Ademir Menezes curtiu com Wilma - dessa feita feliz - o seu outro casamento. Isso até a morte no Rio de Janeiro, em 11 de maio de 1996. E sobre ele, o cronista poético Armando Nogueira fez na imprensa esta confissão que dignifica o ex-craque, o futebol e a literatura: "Hoje - coisas do tempo - que o futebol na minha vida é mais saudade que esperança, mestre Ademir costuma aparecer no telão das minhas insônias mais artilheiro que nunca. E com que alegria revejo, agora, aqueles gols arrebatadores que ele fazia com a veemência de um predestinado! Gols que ontem sangravam e que hoje só enternecem o meu coração".

Ao meu também, Poeta, ao meu também...

PS.: Este texto integra o livro "Os Artistas do Futebol Brasileiro", de Antonio Falcão

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