terça-feira, 20 de maio de 2008

Ademir Menezes


1942




Um artilheiro no meu coração

Se o futebol me quisesse dar um presente, bastava que me desse um domingo inteirinho só de gols de Ademir Menezes. O estádio embandeirado, a multidão ali, em peso, todo mundo cantando e pulando pela gloria do artilheiro inesquecível do Vasco da Gama.
Nesta tarde de lembranças, quero rever, sobretudo, certos gols que ele fazia contra o meu time e que eu, doido de paixão, jurava que eram feitos pessoalmente contra mim. Quantas vezes amaldicoei os "rushes" de Ademir! Ele arrancava do meio campo, temível, e, como um raio, entrava pela grande área, fulminante. O desfecho da jogada era sempre o mesmo: uma bola no fundo da rede, um goleiro desvalido e o meu coração magoado.
Era assim que terminavam os meus domingos em tarde de Ademir.

Até então, eu não tinha vivido bastante para perceber que Ademir era um belo artista e que o gol, longe de ser um infortunio, é apenas uma graça que o futebol oferece para fazer festa no coração dos homens.
Hoje - coisas do tempo - que o futebol na minha vida é mais saudade que esperança, mestre Ademir costuma aparecer no telão das minhas insônias mais artilheiro do que nunca. E com que alegria revejo, agora, aqueles gols arrebatadores que ele fazia com a veemencia de um predestinado! Gols que ontem sangravam e que hoje só enternecem o meu coração.
Ademir guardava em campo o rigor de um espartano e a retidão de um cavalheiro. Nunca perdeu a esportiva. Se alguém lhe dava um pontapé, ele dava, de volta, a outra face: jogava como um cristão. O futebol era a sua religião. Ademir era alto, fino de corpo, tinha as pernas alinhadas e do rosto, que parecia feito a mão, sobrava-lhe um pedaço de queixo. Daí vem o apelido de "Queixada", como ternamente o tratam até hoje os seus amigos.
Fecho os meus olhos saudosos para reencontrar Ademir Marques de Menezes, herói dos estádios nos anos românticos do nosso futebol.

É dia de clássico. O estádio está em pé de guerra. Ademir recebe a bola no meio do campo e dispara. Na crista do corpo que corre, em aceleração vertiginosa, a lamina do queixo vai cortando, certeira, o campo minado, o caminho do gol: é gol! Ele não para de correr e atravessa a linha de fundo, épico, com os braços abertos ao delirio da multidão.
Se eu soubesse que um dia o futebol dele ia se acabar, eu teria pedido a Deus que me emprestasse um par de olhos cruz-de-malta sá para que eu pudesse ver, a luz do amor, todos os gols que Ademir fazia contra mim.

Armando Nogueira


Na decisão do Campeonato Carioca de 1950, a torcida do Vasco praticamente lotava a arquibancada do Maracanã. Ao final do jogo contra o America, ela comecou a cantar, com uma letra inventada na hora, o grande sucesso do Carnaval daquele ano: "Oi zum-zum-zum zum-zum-zum-zum/Vasco dois a um/Ademir pegou a bola/e desapareceu/de um chute tao forte que Osni não defendeu". Era, na opinião de Ademir Marques Menezes, a maior homenagem que recebera em toda a sua vida de jogador.
Vida que comecou nas peladas com bola de meia na praia do Pina, no Recife, onde nasceu a 8 de novembro de 1922, na Vila de Bico do Mocotolombó, filho do casal pernambucano Antônio Rodrigues Menezes e D. Otilia Menezes. O pai era vendedor de automóveis e diretor de remo do Sport Club do Recife, onde Ademir iniciou a carreira no infanto-juvenil. Em 1941, Ademir tornava-se tricampeão pernambucano pelo Sport. No ano seguinte, quando a Seleção Pernambucana estava no Rio de Janeiro - e com ela nove dos onze titulares do Sport -, o presidente do clube resolveu mandar mais alguns jogadores do Recife e dar início a uma excursão. Essa excursão do Sport ficou na história do futebol pernambucano. O Sport, jogando no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Sao Paulo, Curitiba, Porto Alegre e novamente Rio, perdeu quatro jogos, empatou dois e, pasmem, ganhou dez. Marcou 46 gols, sofreu 29.

O namoro entre o Vasco e Ademir começou no dia primeiro de marco de 1942, quando o Sport, de volta do Sul, jogava outra vez no Rio de Janeiro, contra o Vasco. O Vasco tinha começado bem, vencia por 3 a 0, gols de Villadoniga(2) e Nino. Mas nao contava com os "rushes" de um rapaz magro, cabelo repartido do lado e puxado para tras.
Foi assim, lancado em alta velocidade, que Ademir, aos 30 minutos do primeiro tempo, marcou o gol do Sport. Mal comecava o segundo tempo, com 2 minutos, Valfredo diminuia. Aí se desenhou aquela avassaladora vocação para o gol. Em pouco mais de um minuto - aos 6 e aos 7 - Ademir, em duas jogadas sensacionais, conseguiu virar o jogo. Aos 18, Nino voltou a empatar. Mas, em outra jogada de Ademir, Pirombá, aos 27, marcou o gol da espetacular vitória do Sport por 5 a 4.
Depois do jogo, diretores do Vasco procuraram o velho "coronel" Menezes, pai de Ademir. Iniciavam-se as negociações para a compra do seu passe. Ademir foi o primeiro profissinal a exigir luvas - 40 contos. Mas seu passe custou apenas 800 mil-reis.

O Vasco já havia comprado os passes dos Três Patetas - o trio atacante do Madureira, formado por Lelé, Isaias e Jair da Rosa Pinto, o Jajá de Barra Mansa. Com a compra de Ademir e Djalma, também do Sport, o Vasco ia superar mais uma de suas muitas crises. E montava, ao mesmo tempo, o supertime que passou a história como o "Expresso da Vitoria".
Em 1945, ano que marca a partida do fabuloso Expresso, Ademir era o titular do Vasco e de todas as seleções cariocas ou brasileiras que se formaram a partir daí. A linha do Vasco em 1945 era algo de espantar: Djalma, Lelé, Ademir, Jair e Chico.

Em 1946, numa de suas mais celebres tiradas, Gentil Cardoso, técnico contratado do Fluminense, disse:
- Me dêem o Ademir, e eu lhes darei o campeonato.
Gracas a Ademir, o Queixada, Gentil cumpriu a palavra.
Ademir recorda o seu primeiro jogo, contra o Vasco. Além de uma vaia arrasadora, a social vascaina comecou a gritar: "Papai, papai". Era a alusão ao velho coronel Menezes, encarregado de supervisionar os contratos do filho.
Logo no início do jogo, Ademir recebeu o lançamento de outro pernambucano, Orlando Pingo-de-Ouro, e iniciou o rush, para bater inteiramente a defesa do Vasco. Cara a cara com Barbosa, em vez de chutar como era seu costume, driblou o goleiro e entrou no gol com bola e tudo. Com esta (1 a 0) e outras vitórias, o Fluminense acabou sendo o campeão de 1946. Ademir tembém marcou o gol único da decisão contra o Botafogo.
Mas essa passagem pelo tricolor - nada mais que momentaneo abandono do reduto de São Januario - não deu para marcar. O que marcou, inclusive no retorno glorioso, foi a carreira no Vasco. Somavam-se os títulos. Em 1945, fora campeão invicto e vencedor dos torneios Ínicio e Municipal. Em 1948, campeão dos campeoes sul-americanos, vencedor do Ínicio e do Municipal. Em 1949, campeão carioca invicto, campeao sul-americano, artilheiro do Brasil. Em 1950, vice-campeão do mundo, artilheiro da Copa, campeão(bi) carioca. Foi o artilheiro dos campeonatos cariocas de 49 e 50, com 30 e 25 gols, respectivamente. Em 1952, campeão carioca e campeão pan-americano. Ademir marcou mais de 400 gols em 552 jogos.
A popularidade de Ademir era tão grande que, no Brasil inteiro, crianças comecaram a receber seu nome.

No final de 1955, Ademir sentiu que devia parar. Queria retirar-se ainda como ídolo - mas os diretores do Vasco não concordaram. Foi então para o Sport, onde iniciara a carreira. E reverteu ao amadorismo, jogando algumas partidas em 1956. Seu último jogo foi contra o Bahia - o Sport perdeu de 2 a 0.
Penduradas as chuteiras, tentou ser técnico de futebol no Vasco. Não deu certo. O clube pensava mais em política do que em bola.
Passou então a escrever crônicas na imprensa carioca, a comentar jogos pelo rádio. Além de jornalista-radialista, Ademir Marques Menezes foi funcionário do Instituto Brasileiro do Café.

Placar

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